Pela Bagatela de um Instante

Pela Bagatela de um Instante

Nunca o tempo foi tão incompreensível, tão atemporal. Talvez por ele também não nos compreender mais, o curso tenha se tornado essa verdade mentirosa e cara ao planeta, onde agora se proclama comprar a cura do mundo pela tela. Ufa!

Não há mais tempo a perder com a gana de se buscar respostas, é só ligar um desses brinquedos tecnológicos e perdemos o tempo que havíamos de ter. Ele próprio se incumbe de não nos pertencer mais, nessa vil comodidade de calorias e mofo, a anacronia da falta de motivos. E como era bom ter motivos! Ele nos desafiavam quase sempre afônicos, com poucas respostas e rara clareza, nos mostrando novos caminhos em busca de mais deles. Era a vida acontecendo a nos lembrar que o tempo não merece ou desmerece ideologias, não depende delas.

Tempo e motivos já andaram juntos a ponderar mea-culpas, apaziguando as demasias do agora sempre muito afoito. Era bom porque o agora, quando acontece em seu tempo, regozija-se como “querido passado”.

Numa brincadeira de imaginação, o tempo me leva ao futuro pra ver que ele já tinha passado e, então lá, era clara a escuridão do porvir. O “nada no limbo” resumiria a permeável certeza da vida, um triste pleonasmo que nos define por não fazermos os corres que cantamos e os versos que citamos. Mas ainda pode haver um agora, dizem que é muito cedo para desistir.

Bom é seguir observando pegadas sem que elas sejam imperativas, pensando em quanta originalidade há no que se copia. Vale imaginar qual a mutação de que mais se orgulha (orgulho é uma palavra deprimente e desnecessária mas aí está). Quando não mudei acabei me tornando o que eu não era, meu eu estava quase sempre fora de mim e não mais me arrependo de abandonar os etéreos fantasmas que me preenchiam e me mataram várias vezes em mim mesmo, com o meu aval.

Se algum dia me ouvir num disco, num arranjo medieval futurístico ou em conversas sobre poemas de amor com jeitão de hieróglifos, saiba que vivi esperando por isso: dar voz ao hoje correndo contra o tempo que me levava o viço. Não é fácil encarar letras como apenas contrastes na superfície em branco do papel mas é preciso. Fazer o poema já é a própria poesia.

Anderson Ribeiro


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