Arte de Merda
Pão é poesia? Farinha de trigo, fermento, ovos… tem que ter quem saiba fazer mas, o padeiro é um poeta? Se fosse só misturar tudo e assar seria fácil. Infelizmente (ou felizmente) nem tudo se resolve com um liquidificar e um forno. À homogeneidade e ao calor há de se juntar o tempo, há de se acrescer talento e há de se caber o momento, pois comer sem fome trai o espírito.
E quem come? Tem que ter fome sim, além do gosto. Para se gostar falta experimentar, mas tem que ser com tempo, com calor e com os sentidos latentes. Experimentar é poético. A novidade se estabelece para emocionar, se o gosto é bom. É o prazer da fome, da vontade de comer, do improviso e da efemeridade. Come-se com os ouvidos, alimenta-se pelos poros, lambuza-se através dos olhos. Cheiro bom que revigora e fortalece a alma que habita o corpo.
Arte tem a ver com pulsação, tem a ver com extremos como lágrimas e sorrisos. Tem raízes nos sapos, nos grilos, nos pássaros e na luz do poste. Fascina pela incrível semelhança entre o barulho e o silêncio. Cabem palavras soltas, aforismos e declames daqueles que duram uma viagem interplanetária. Arte é o mecanismo destecnológico para se viajar no tempo e redimensionar o espaço. Provoca aliterações no coração que reverberam inquietude e, autoritária, não pede licença para destruir e construir seus meios.
Artistas têm a ver com inconciência, descontrole, paradoxos e imensurável habilidade subjetiva. Ainda assim, são extremamente capazes de saiajustar matemáticos, pois em suas contas (ou contos, ou quadros, ou quartos, ou…) menos esquádricas são capazes de ofececer múltiplas escolhas corretas para o resultado da soma de dois mais dois. A matemática poética é sinuosa e imperfeita para que nunca esteja pronta de fato.
Mas… pão é poesia? Uma discussão sobre o ser ou não ser das coisas me inspirou o afronte à recorrente questão sobre o que é arte. Além dos brados efemeramente definitivos e das viagens interplanetárias (boas para declames) só me resta o escandaloso silêncio como resposta. Em minha nave sigo imaginando embalagens de pão flutuantes. Elas adentram o recinto causando espanto aos pobres mortais. Como somos tecnocríticos, poderíamos imaginar spielbergianas explicações para tal fenômeno, nada de poesia. Embalagens flutuantes de pão são fáceis de se fazer com truques idiotas hoje em dia. As tais embalagens, entretanto, em lugar de propagandas trazem arte. Delícias envolvem as embalagens. Embalagens flutuantes com poesia calam e espantam. Elas flutuam em direção à mesa aterrissando e propagando um cheiro bom de encantamento. Em meio à pouca luz daquela sala, não obstante a fadiga de para quem aquilo já não arrepia, para os poetas, reféns do perfume que sobressalta seus estômagos, elas se desvelam. Além dos poemas que as recobrem, em seu interior trazem quentinho, pão. Surreal!
Corpo e alma carecem ser alimentados cada qual com os seus nutrientes. “Ars longa, vita brevis”. A poesia do pão está em nutrir o corpo que sustém a arte da alma para, pouco depois de cumprir seu papel, virar merda. Espantoso!
Anderson Ribeiro
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