Somadêro
Não obstante a pouca ciência acadêmica que trazem consigo, há tipos que transferem aos de bom acabamento do coração alguns tantos e deliciosos momentos de lúdica sapiência. Das coisas simples que sabem, que vivem e que, sem maiores intenções, ensinam, sua experiência em colecionar e cuidar de seus calos é algo de maior valia. Com seus trejeitos e causos de amores e horrores, por mais maltrapilho do côco que se esteja, algum fiapo de sabedoria se há de lumiar na alma, pelo menos.
Deve ser que quem sabe que manga dá em árvores porque já subiu em uma e leite vem da vaca porque já experimentou uma caneca quentinha tenha alguma vantagem sobre quem compra tudo pela Internet, até a vaca. Porque como têm que ver a mimosa para fechar o negócio, dá tempo de ouvir bem o berro, sentir um tanto o cheiro, prosear sobre o mangueiral e, desconfiado, mastigar um capim, que ninguém é de ferro. Quem decide o norte à sombra de verdes folhas o faz normalmente com menor derramamento de bílis e sabe que viver o tempo deste presente firma a batida do coração, cadencia-o e discorre sobre sabores, mesmo sem se dar conta assim, dessa forma.
Sem tempo não há sabor, e sem sabor o tempo se limita a prazos a serem cumpridos, etapa após etapa, sem degustação. Nem a geração Tetra-pac é de ferro, mas não foi avisada, em grande parte, de que há vida além do PS3 e suas víceras de silício, plástico e sabores virtuais. A velocidade imposta em suas teclas denuncia sua temperatura neural que desafia o tempo da compreensão dos porquês: mais valem os bônus e a pontuação. Bom, que vença logo o jogo antes que a ventuinha pare e a fonte queime ou os neurônios derretam. Tanto melhor.
Por vezes me pego pensando em até que ponto a tecnologia ajuda e a partir de quando ela mumifica. Claro que não chego nunca a nenhuma conclusão, pois são só declarações de motivos os quais nunca se entendem. Entretando, sinto por vezes que a revolução industrial nos tirou o nosso maior bem, o tempo. Do ritmo alucinante e da produção em massa se agregam valores, mas também se perdem, principalmente os valores simples como justamente esse tal tempo. Todavia, é ele que cicatriza os calos doídos, frutos da velocidade urgente e constantemente lenta com a qual se lida com o novo e o imprescindível.
No somadêro disso tudo, como diria o poeta sem diploma, o coração morre de desgosto. Bateu tanto e tão rápido e não se lembra de nenhum desses “bit’s”, por tê-los retumbado sem porquês. Melhor é ser como meu avô que, com sua sabedência matuta e velhaca de quem tem as mãos grossas de calos, sentencia: “Dou parabéns às abelhas pelo mel, mas eu tô é correndo do ferrão”. É a voz de quem enxerga as coisas com olhos experientes e sábios. Estes fazem o coração punjar forte quando é preciso e emocionante. O velho é assim, gostoso de se chegar e de se ouvir a prosa e as canções das cabaças que carrega rua afora, observador. Uma ocasião, por exemplo, percebeu que uma casa pintada há pouco havia sido pixada logo em seguida, o dono repintou e logo após, nova pixação, e mais uma pintura e outra pixação, e mais outras de cada uma, intercalando-se. Concluiu: “Devem estar disputando quem tem mais tinta!”.
É isso! A vida é mais simples do que parece. Viva a comadre Borboleta e o compadre Gafanhoto!
Anderson Ribeiro
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